domingo, 29 de abril de 2012

Resposta de Murilo em Austin, a Carolina, em Porto Alegre

Tu disse querer ser conhecida por mim e eu não soube o que fazer diante da infinidade de informação que a novidade do teu ser humano me oferecia. Dividi em partes pra tentar ver, mas nenhuma separada disse nada e eu achei que tinha te desarticulado em membros paralelos. Bom saber que tu ainda existe por inteiro e que eu nunca vou te conhecer.

sábado, 28 de abril de 2012

Ana, em Lisboa, para Henri, na Filadélfia

Oi Henri,

Já que eu não sei começar uma carta vou falando assim, como eu fiz com a gente, de qualquer jeito e rezando pra dar certo.
Até hoje não sei se deu, também nem vou te perguntar, você vai dizer que não importa e que o que passou foi válido a sua maneira, e essas coisas que você diz sempre. Como se alguma coisa pudesse não importar nesse oceano desatinado que é a gente.
Sei lá Henri, você ficou tão impassível enquanto eu arrumava as coisas pra vir embora, sentado magistralmente com uma expressão vazia por trás do mug e das fumaças de cigarro, café e Filadélfia.
(Talvez a gente tenha sido só um curto debruçar-se aos passatempos retalhadores de dor, como um mantra eu repito: cigarro, café, Filadélfia).
As listras das minhas camisas estão inteiramente impregnadas da poluição detida pelos teus vícios, não há um fio do meu cabelo que não o tenha decifrado.
Digo isso somente porque é desnecessário e fico imaginando se o fará qualquer coisa, se o sentido vai chegar aos teus poros antes que a teu cérebro, se os neurônios não vão se fazer todos coração antes que você perceba e possa relutar.
(Me desacostumei a não ser detentora da tua insanidade e agora todo o senso de realidade que vejo em você me corrói)
Nos labirintos manuais que meus pensamentos coerentes acostumaram-se a percorrer, cultivei um pouco de terra infértil, útil para jogar por cima do meu aborto emocional. Demorei para sentir qualquer coisa por você porque buscava tactilmente sentir qualquer coisa, e em seguida vinha você, mas eu estava chegando lá, quase.
Enquanto eu dobrava as suposições na mala (apertadas para ver se por cima cabia ainda alguma roupa), você só me olhava sem nada dizer, sem qualquer sinal de desespero.
Você se conformou com a minha partida como eu disse querer que fizesse, e a partir de então eu só quis desfazer tudo e chorar no seu ombro até você me prender entre os braços e decretar que eu não iria a lugar algum.
E talvez aí eu fosse porque não suportaria ser apreendida dessa forma.
Não sei mais porque eu resolvi dizer todas essas coisas, agora não faz diferença alguma, eu não vou voltar e nem o quero mais, nem você me quer, só estamos procurando bons motivos pra sofrer, uma vez que os motivos para alegria nunca parecem suficientemente substanciais.
Voltei inconsciente a buscar qualquer coisa através dos meios tácteis. Somos sexualmente cegos e nunca vamos compreender.
Você deve ter voltado também, provavelmente até antes de mim, muito provavelmente até antes que eu viesse.
Acho que essa carta perdeu o senso de oportunidade e não poderá mais acompanhar os livros que você pediu, de qualquer forma acho cruel a essa altura informá-la que não irá, vou deixar dobrada dentro de um poema do Helder que você nunca vai se interessar em ler.
Aquele sobre as rosas.
Não faz o menor sentido que eu sinta falta da sua loucura, de ser fria com você e inspirar loucura maior ainda, não faz o menor sentido que eu queira genuinamente não o querer.
Vou esquecer seu adeus equilibrado e inventar um escândalo para afagar minha solidão egoísta.
Você me perguntou se estava sentindo falta de algo que pudesse enviar, me mande apenas o metrô, alguns arranha-céus à sua escolha, uns muros pichados, uma chuva fria e a ponte do Benjamin Franklin, seja cuidadoso ao arrumar numa caixa, vou ficar esperando.


Com paciência,

Ana

Carolina, de Porto Alegre, envia telegrama a Murilo, que está em Austin - Texas

Depois que a gente se perdeu eu esqueci que deveria antes me encontrar. Hoje me ocorreu que pode ter sido por isso.