terça-feira, 17 de julho de 2012

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Oi coração, resolvi ligar agora porque eu sei que estás dormindo e eu quero perturbar teu subconsciente enquanto sonha. Passei na padaria esses dias e vi seu Agenor de conversinha com o rapaz que vende flores ali na frente, aquele que eu acho poético e tu piegas... pronto, eu tenho um termômetro que captura o grau de agitação das moléculas usurpadoras de paz, tu sabe, e por isso ouvindo lá a conversinha de seu Agenor com flower guy tive essa ideia insana que eu já tinha te falado há umas duas semanas, de correr mundo. Vou fingir a partir de agora que tu estás chorando. Por favor, não para. Põe o vinil de caetano, o que parece um sol... como é o nome mesmo? sempre esqueço essa porra... é aquele que tem nú com a minha música. Colocou? Então, eu vou pro Rio, ou pra Nova York, ou Londres... 'tô vendo ainda. Não me pede que eu não vou ficar aqui, não quero e não preciso. E você tem que aprender a cozinhar só. E visitar sua mãe sem que eu precise lembrar. Por favor, chora. Eu queria te fagocitar num abraço e prender teus movimentos juntos às minhas articulações. Queria aquela história do livro de Platão, que a gente se enrolasse feito massinha de modelar e se estirasse e se acalmasse assim. Mas a gente não se acalma nunca, a gente não é massinha e nunca vai sossegar. Porque eu tenho as minhas coisas e tu tens as tuas e tu bem sabe que eu não consigo passar dois minutos numa constância. A gente nunca vai sossegar. E eu vou embora, meu bem, pro Rio ou pra Amsterdan, ou pra qualquer lugar porque tem alguma coisa por aí que eu não vou descobrir o que é nesse desequilíbrio estático. Eu vou pro Rio ver se encontro um novo desconsolo ou uma bala perdida; ou um buraco pra enterrar essa bosta toda que vai soltando de mim e largando no chão e se reintegrando a mim toda vez que eu passo sem olhar e piso. Eu queria que você estivesse chorando agora, queria saber recitar aquele poema do John Donne sobre rompimentos "como esses santos homens que se apagam suspirando aos espíritos: que vão/enquanto os amigos amargos dizem "ainda respira" e outros "não"/nos dissolvamos sem deixar ruídos, sem tempestades de ais, sem rios de pranto/fora profanação nossa aos ouvidos dos leigos descerrar todo este encanto", só sei até aí, e nem sei se é isso mesmo, mas enfim, eu vou. Eu tenho que encontrar alguma coisa, nesse quarto parece que só a cegueira me acompanha, nessa cidade toda nem janela dá pra ver. A gente se perde junto porque cada um só sabe do seu infinito. Vou. (...) Vem comigo.